sexta-feira, 22 de junho de 2012

Partihar sonhos...

Este texto é uma mensagem que recebi por e-mail do leitor Marcello Schetti e é publicado com sua autorização.

É o que busco, senhor Saraiva e li com entusiasmo seus textos no blog.
Me chamo Marcello e sempre escrevi para me ligar a algo maior que minha miséria humana...a um ideal real, que fala de tudo que é humano.
Ao contrário de ti, estou neste deserto árido e povoado que é Sampa e acredite, me sinto mais só que em um deserto como o Atacama, onde estive, mas sem a beleza deste. Lutar pela Verdade aqui, é como gritar no deserto para ser ouvido!
Eu moro com uma amiga que trabalha no Fórum perto da praça da Sé e estamos sempre discutindo sobre o judiciário e seus mecanismos.
Escrevi textos para me engajar a algo maior como disse, que meu ego ou fins lucrativos e, dessa forma, me liguei aos Médicos Sem Fronteiras e as Casas André Luís...nunca busquei reconhecimento e, muito menos viver como escritor...viajei desde os treze anos de idade, como um bom aquariano que se sente ligado a toda humanidade, mas não tem raízes em lugar algum...bem, tenho 45 anos hoje e isso não mudou; a diferença é que não tenho mais condições físicas de ser um mochileiro...mas me sinto sempre um forasteiro.
Adoraria ter sua sincera apreciação sobre meus escritos, que buscam chegar aos corações e despertar conciências, sem muita preocupação com estilo ou mérito literário.
Desde já lhe agradeço, senhor Saraiva, e espero que me responda...quero partilhar o que sou, vibro e busco, com pessoas que de alguma forma, como eu, acreditem que Juntos, podemos ser a Voz que fala pelos que foram excluídos ou anestesiados-como nossa ´´elite``cultural.
Eu creio, com todo meu ser, que estamos aqui para deixar marcas, rastros de amor e se necessário, morremos por isso. Este conto, em que presto um tributo ao meu grande amigo Bernardo, ilustra isso.
Que a Luz brilhe em ti e sua família.
Quando alguém sonha

Temos apenas um sonho

Quando muitos sonham

A realidade começa!

(Goethe)

Sonhos Pisados

-O bom café, tem que ser escuro como um negro, forte como um negro e... quente como um negro!

Bernardo riu gostosamente, como sempre fazia, ao ouvir as tiradas de seu bom avô.

-E como você é mais mulato, que negro, meu menino, este café, está claro, fraco e frio, como o próprio autor!

-Pare de reclamar, meu velho... Na senzala era pior!

-Não posso negar, menino, mas como fui amado!

-Está bem, já sei: negras, brancas, louras, índias, não é?

-Sim, meu neto; foi desse jeito mesmo. Mas aqui dentro, só há lugar para sua avó... Eu a perdi, há vinte anos, e nunca pensei em me unir, a outra mulher. Lúcia foi a única mulher que amei!

-Vovô, o senhor verá, estaremos todos juntos, em um mundo melhor... creia!

-Esta é toda minha esperança, menino... Sabe, eu sinto, que ela me espera, com o mesmo amor de antes, com o qual eu lhe espero!

Tomaram o café, e calaram-se, de forma obstinada. As lembranças vieram na mente de Bernardo, também... Sua vida foi uma sucessão de lutas e tristezas, desde que perdeu seus pais na infância, e sofreu todo tipo de discriminação. Seu avô cuidou dele, desde então, sendo seu amigo de todas as horas. Bernardo, realizando traduções do inglês, francês e espanhol, conseguira economizar o suficiente, para comprar uma chácara, no litoral de São Paulo, onde estavam, junto à fogueira, deixando seu avo nela, enquanto retornava para Salvador, para lecionar em uma faculdade. Nessa chácara, seu avô, encontrara paz, cuidando de suas flores, da horta, dos pássaros, enquanto esperava o desenlace, daquele consumido corpo, e a tão esperada união com sua amada Lúcia!

Bernardo pensava, como aquele pedaço de terra lhe fazia feliz, e como era estranho, que as pessoas não fossem gratas, pelo muito ou pouco que tem! A fogueira crepitante, e o olhar calmo e esperançoso de seu avô lhe fazia pensar no poder silencioso da natureza... do amor! Ambos, poderes fascinantes e assustadores. O que mesmo Yeatz disse?

Eu semeei meus sonhos

Onde você está pisando agora

Pise suavemente, porque você

Está pisando nos meus sonhos!

Esses versos do grande poeta irlandês caem aqui, como uma luva, pois realmente naquela terra, adquirida com tamanho sacrifício, repousavam todos seus sonhos. A madrugada fria lhe fazia sentir temor, quanto à realização de suas idéias. Ele esperava, que com a produção de húmus, e ranários, além de criar peixes, no interior de São Paulo, conseguisse em pouco tempo, preparar pessoas excluídas para o difícil mercado de trabalho.

Seu avô começara a cantar uma velha canção folclórica. Bernardo pensava, como tudo parecia tão absurdo! Lembrou-se, do líder negro do Quênia, nos anos 50, Jomo Kenyatta, que conta, que quando os sacerdotes brancos chegaram na África, os negros tinham a terra, e eles a bíblia. Os brancos nos deram a bíblia, e disseram que rezássemos com os olhos fechados. Quando abrimos os olhos, eles tinham a terra, e nós a bíblia!

Os dois permaneceram calados, a cismar, junto à fogueira, só se levantando, com os primeiros raios de sol. Não havia mais tempo, para meditar ou dormir; Bernardo tinha que voltar para Salvador, e seu bom avô queria fazer uns arranjos florais, no belo jardim, que até lembraria, o do grande pintor da luz, Monet!

Aquela seria a última vez que se veriam, nesta encarnação... Quando retornou, sete dias depois, encontrou seu avô, estendido na varanda, com o regador nas mãos; não sofria mais, partindo com um sorriso nos lábios.

Bem leitores, eu não sei, se para vocês, esta narrativa, terá algum significado, mas para mim sim... Dolorosa e confortante significação! Eu estava com eles nesta noite, mas já me havia recolhido há muito, pois naquele dia, andamos muito, em busca de uma certa madeira. Acordei de madrugada, e fiquei a olhar, a estranha comunicação, estabelecida entre ambos. Senti que aquele estranho ritual, junto ao fogo, era o prenúncio de algo que viria em breve. Quando Bernardo me ligou, dizendo o que se dera, a chorar, eu perdi a voz. Parece que aquilo que já sabemos, nos abala tanto, quanto o desconhecido! Choramos juntos, no enterro... Será que ele já encontrou, sua amada Lúcia?

Bem, eu poderia desenvolver este marcante episódio de minha vida, em uma longa narrativa, pois Bernardo, tinha quase dois metros de altura, era um gigante na força combativa, no caráter reto, mas, sobretudo, no coração! Não o farei, porém, pois há coisas, que preferimos guardar para nós.

Bernardo despediu-se de mim, depois de vender sua bela propriedade, indo em definitivo para a Bahia:

-Marcello, vou lutar por minha gente... Os sonhos terão que esperar!

Não consegui demovê-lo. Dois anos depois, soube que foi assassinado pelos senhores do cacau. Todo o seu dinheiro, fora gasto com os excluídos desta sociedade injusta e hipócrita, que fala, discursa, e nada faz! Muito fez, nesses dois anos no sertão baiano... os sonhos, se realizaram!

O velho Branca de Neve, como eu o chamava, dera sua vida por muitas vidas... Morreu como o seu avô, dando o melhor de si, para que outros pudessem colher seus frutos! Semeou seus sonhos, para que alguém pudesse vir a colher no futuro... Estúpido era eu! Não soube medir, a sua grandeza, com a pequena visão de meus doze anos. Pensei que ele fosse se casar com uma bela moça, que estava sempre conosco, e viver tranqüilo em sua chácara... Ele, no entanto, preferiu, com seus passos, buscar seu destino... Seu sonho! Só então, entendi o que significa honra, sacrifício... e a força de um sonho!

Como um tributo, mais que merecido, apesar de tardio, dedico a ele, esta miniatura, e peço a todos, usando as palavras de Yeatz, que nós tanto repetíamos, que não pisem nos sonhos de ninguém... Nem nos seus!

Eu semeei meus sonhos, aonde...

Você está pisando agora;

Pise suavemente, porque você

Está pisando nos meus sonhos!

3 comentários:

Vera Lúcia de Oliveira disse...

EMOCIONANTE, Marcelo!!!

Anan Cara disse...

Parabéns Marcelo, Parabéns Saraiva. Por isso estou aqui todos os dias...

Anônimo disse...

Vera e Kirylus,
Obrigado pelos comentários e agradeço em meu nome e do Marcello, com quem tive contato pela primeira vez momentos antes da publicação do excelente conto.
Um agradecimento especial ao Krylus, que todos os dias está visitando este humilde blog.
Tenham uma ótima noite de domingo e início de semana.
Abraços,
Saraiva