quarta-feira, 30 de maio de 2012

Coitadinho! Ele não sabia das atividades ilegais de Cachoeira...


Não sabia das atividades ilegais de Cachoeira”, diz Demóstenes

Carta Maior - 29/05/2012 | Copyleft

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebon (Agência Brasil)

Em depoimento à Comissão de Ética, o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) reafirmou a relação de amizade com Carlinhos Cachoeira, mas insistiu que não sabia das atividades ilegais do contraventor. Disse que o procurador-geral da República prevaricou, confirmou as relações de Cachoeira com Policarpo Junior, da Veja, e explicou o encontro com o ministro Gilmar Mendes na Europa. Mas parece não ter convencido os colegas da sua inocência. Os questionamentos foram duros.

Najla Passos

Brasília - O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) que se apresentou ao Conselho de Ética do Senado, na manhã desta terça (29), não lembrava nem de longe o homem altivo que, meses atrás, ocupava o posto de paladino da ética do parlamento. Abatido, cabisbaixo, falou sobre o sofrimento da família, a depressão que o acometera, os remédios controlados que já não o fazem dormir, a fuga dos amigos. Ressaltou que só está suportando o que chamou de “o maior massacre da história” porque reencontrou Deus. Mas, mesmo após 5:30 horas de debates em que lhe foi assegurado o mais amplo direito à defesa, parece não ter convencido aos colegas da sua inocência. Os questionamentos foram duros.

Demóstenes reafirmou a relação de amizade com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso em fevereiro, durante a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (PF). Mas negou categoricamente que soubesse das atividades ilegais do amigo. “Eu não tinha lanterna de popa. O que eu sabia naquele momento era que eu me relacionava com um empresário que também tinha relações com cinco governadores e dezenas de outros parlamentares”, disparou.

Pegadinha
Ele relatou que tinha conhecimento de que Cachoeira operava jogos em Goiânia quando isso era legal, na segunda metade da década de 1990. Contou que, mais recentemente, chegou a “jogar verde” para saber se o contraventor continuava operando jogos de azar, ao “inventar” uma suposta operação conjunta da PF com o Ministério Público (MP), que nunca ocorreu, para ver como ele iria reagir. Segundo Demóstenes, ele disse à Cachoeira que havia recebido a informação de um jornalista de Goiás, conhecido de ambos. “Ele ficou apavorado”, afirmou, contradizendo-se.

O senador Humberto Costa (PT-PE), relator do processo que pode levar à cassação do mandato de Demóstenes, desmentiu a história. “O delegado da PF disse aqui que essa operação foi armada para descobrir quem vazava informações para Cachoeira”, disse ele, contestando a versão de que fora “inventada” por Demóstenes para “jogar um verde”.

Clube Nextel
O senador admitiu que recebeu um telefone celular Nextel do contraventor. Afirmou desconhecer que o mesmo “presente” fora dado a outros membros da quadrilha, o chamado ‘Clube Nextel’. “Não faço parte do grupo. Recebi e, por comodidade, fiquei com ele”.

Questionado pelo relator, reconheceu que a conta, provavelmente, era paga por Cachoeira. “Uns R$ 50, pagos nos Estados Unidos”, minimizou. Disse também não ter visto, naquele momento, problema ético em um homem público ter a conta de seu celular paga por um reconhecido contraventor. “Eu desconhecia as atividades ilegais dele”, sustentou.
Dinheiro sujo

O parlamentar negou ter recebido quaisquer valores da quadrilha de Carlinhos Cachoeira ou mesmo da empresa Delta. Nas gravações, há referências a quantia de R$ 20 mil e, em outro momento, a de R$ 1 milhão de reais. Na denúncia formulada ao STF, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fala em possíveis R$ 3,1 milhões, no total.

À Comissão, Demóstenes apresentou a quebra do sigilo das suas duas contas bancárias. Questionado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT), disse que não possui outras contas, que nunca recebeu dinheiro via conta de terceiros e nem valores em espécime.

Delta Construções
Ele negou ser sócio oculto da empresa Delta: “Se há um sócio oculto, vocês precisam procurar com uma lupa maior”, ironizou. Ele disse que nunca participou de reuniões na sede da empresa e negou conhecer o dono da construtora, Fernando Cavendish. “Como posso ser sócio de alguém que nem conheço?”

Procurador-geral
Provocado pelo senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Demóstenes criticou veementemente a postura do procurador-geral da Repúbica, Roberto Gurgel, que, segundo ele, não deu o encaminhamento correto à Operação Vegas, realizada pela Polícia Federal (PF) em 2009, que já apontava suspeitas das suas relações com a quadrilha de Cachoeira.

Para o acusado, o procurador tinha, em função do princípio da obrigatoriedade, três alternativas: pedir arquivamento, oferecer denúncia ou requerer novas diligências. “Ele prevaricou, que significa praticar ou retardar ato de ofício para satisfazer interesse pessoal. A improbidade administrativa é evidente. Mais dia menos dia, o procurador-geral terá que explicar porque agiu como agiu”, cobrou.

Os algozes
Demóstenes sustentou o tempo todo que as acusações contra ele têm como base documentos obtidos ilegalmente, vazados aos poucos, de forma orquestrada, para resultar na sua completa desmoralização. “As gravações são evidentemente ilegais. Fui investigado de forma ilegal, o que coloca em risco a democracia no Brasil. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitar essas provas, nós vamos viver numa republica comandada por delegados e procuradores do Ministério Público. E isso é perigoso”.

Quando questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-DF) sobre quem seriam os algozes dessa suposta orquestração contra ele, foi categórico: “Os delegados de Polícia e membros do Ministério Público, para criar um estado policialesco no Brasil”.

Gilmar Mendes
Demóstenes confirmou a versão já divulgada pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, de que a relação existente entre eles é apenas de cordialidade e profissionalismo. Mas não desmentiu que frequentou festas da família do ministro. E confirmou que se encontrou com ele no exterior, em abril do ano passado. “O ministro Gilmar Mendes, se não me engano, foi participar de uma jornada acadêmica em Granada [Espanha]. Eu estava em Praga [república Tcheca]. Nos encontramos em Praga e fomos juntos, de trem, para Berlim [Alemanha]. Ficamos lá um tempo. Eu voltei para o Brasil em um voo e o ministro em outro”.

Conforme o senador, só ele pegou carona do avião providenciado pela quadrilha de Cachoeira. “Como eu ia chegar cedo e tinha trabalho, eu pedi ao Rossini [empresário]. Eu utilizei o avião. E não o ministro Gilmar Mendes. Eu utilizei aviões de várias pessoas no Estado de Goiás, empresários e amigos. Não usei do Cachoeira porque ele não tem”, acrescentou. Demóstenes afirmou também que Cachoeira não participou do encontro dele com Mendes na Europa.

Revista Veja
O parlamentar confirmou que Cachoeira era fonte habitual da revista Veja. “O que sei é que o Cachoeira era fonte de Policarpo [Policarpo Junior, diretor da revista em Brasília]. Nunca encontrei os dois ao mesmo tempo, mas tinha conhecimento disso. Agora o desdobramento ético em relação a isso tem que ser verificado”, disse Demóstenes.

Ajuda dos amigos
Indagado por Taques, Demóstenes confirmou que o colega foi em sua casa, em março, na companhia de Randolfe, cobrar que ele se explicasse sobre as denúncias contra ele que começavam a pipocar na imprensa. “É verdade. Os dois me ajudaram, inclusive, a redigir o discurso que fiz na tribuna do Senado”, acrescentou.

Sobre a veracidade das explicações prestadas no discurso, em que afirmava manter relação apenas de amizade com Cachoeira, foi evasivo. “Falei com base nas informações divulgadas até aquele momento. Não sabia das denúncias que viriam a seguir”.

Estratégia?
Questionado pelo senador Anibal Diniz (PT-AC) se o fato dele falar do sofrimento imposto à família e invocar de deus não seria uma estratégia de defesa, o acusado negou. “Ninguém pode usar o nome de Deus como estratégia de defesa. Sou um carola, senador. Já era antes por causa da minha mãe. Confesso que nesse tempo fiquei meio perdido”, rebateu.

Processo
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou, ao final da sessão, que todos conhecerão sua avaliação sobre a defesa em, no máximo, três semanas, quando apresentará seu parecer. Costa prevê que o processo será encerrado antes mesmo do recesso parlamentar, que começa em julho. “Não posso falar sobre minha versão agora. Vou levar em consideração todas as colocações que foram feitas para formular meu juízo. Daqui há mais ou menos três semanas vocês vão ter a minha posição”, disse à imprensa.

Costa considerou a sessão bastante produtiva. “Foram muitas informações, muitas indagações. A própria defesa dele reconheceu vários fatos”, completou.

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