quarta-feira, 25 de abril de 2012

ACM Neto, o grampinho

Do Blog DoLaDoDeLá - 25/04/2012
Marco Auréllio Mello*
Lembrei-me do episódio que narro abaixo depois de ver a notícia de que o deputado vai se candidatar à prefeitura de Salvador. E, segundo o presidente do DEM, senador Agripino Maia, ACM Neto é o fato novo do partido, com potencial para se projetar nacionalmente e reerguer a combalida legenda. Pois bem, vamos aos fatos.

Minha chefe me convoca para ir a Brasília. Pergunto se sou obrigado e ela responde que sim, que todos os editores do Jornal Nacional em São Paulo (são quatro ao todo, um por semana, sendo três mulheres e eu). Quero saber se preciso ser o primeiro da fila. Ela responde que não, que conversará com as outras editoras e decidirá quem vai primeiro. Peço para, se possível, ficar por último. Estamos em setembro de 2005.

A primeira colega foi, passou uma semana e voltou, desamparada. A segunda também seguiu para lá e voltou desmilinguida. A terceira editora entrou em licença médica. Assim, sobrou para mim. Comprei uma caixa de Passiflora (calmante natural de Maracujá) e segui viagem. Era para ser uma semana, mas fiquei duas. Entrava ao meio-dia e saia depois que o Jornal da Globo terminava, não raro depois da uma.

Minha tarefa era reforçar a edição do Jornal Nacional e do Jornal da Globo, mas como chegava antes do Jornal Hoje ainda ajudava a coordenar entradas ao vivo, isso quando não editava alguma matéria bruta para eles também. Resumindo: trabalho semi-escravo, desumano.

A capital federal ardia com duas CPIs simultâneas: a dos Correios (Mensalão) e a dos Bingos, apelidade de "Fim do Mundo", de tão ampla. Investigou os assassinatos dos prefeitos petistas de Campinas, Toninho do PT, e de Santo André, Celso Daniel; a “máfia do lixo” em Ribeirão Preto; o escândalo da Loterj; a renovação do contrato entre a multinacional GTech e a Caixa Econômica Federal para loterias; os dólares de Cuba para a campanha de Lula; a máfia do apito no Brasileirão, e por aí foi...

A "Fim do Mundo" teve papel importante na derrocada do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, acusado de envolvimento com a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. O caseiro afirmou ter visto Palocci na “casa do lobby”, mansão do Lago Sul onde, segundo denúncias, a República de Ribeirão dava expediente e festinhas para firmar negócios com empresários interessados em parcerias com o Governo Federal.

Nas reuniões preparatórias dos telejornais notei a existência de duas colegas, uma de São Paulo e outra de Brasília, que não botavam a mão na massa. Ou melhor, botavam sim, mas no cocô. Eram as duas porta-vozes do então todo-poderoso diretor de jornalismo Ali Kamel no Congresso.

O papel delas era articular a cobertura de cima para baixo. Elas definiam no gabinete dos deputados quais seriam as manchetes do dia seguinte de todos, digo, todos os jornais impressos e telejornais do país. E como funcionava isso? Enquanto corríamos feito loucos para assistir e noticiar os fatos daquele dia, elas se encarregavam dos vazamentos.

Tudo o que era conversado a portas fechadas, requerimentos sigilosos, acordos de bastidores, convocação de depoentes, as duas tinham acesso primeiro e municiavam os colegas com os desdobramentos daquilo que a Globo julgava mais conveniente à cobertura.

O pivô desta relação promíscua, para não dizer espúria, era o então deputado ACM Neto, apelidado carinhosamente de "grampinho" (talvez inspirado pelo estilo do avô). Foi uma destas colegas que delicadamente o aconselhou a parar de mascar chicletes nas sessões da CPI, para que não passasse uma imagem de adolescente. Afinal, o Brasil inteiro estava ligado, ou na TV Câmara, ou na TV Senado, quando não na Globonews.

Alguma coisa começou a dar errado quando houve os dois depoimentos mais esperados de todos: de Daniel Dantas, do Banco Opportunity, à CPI do Mensalão e do doleiro Toninho da Barcelona à dos Bingos: Tive o privilégio de assistir às mais de quatro horas da fala do banqueiro e, ao final, saí convencido de que uma enorme pizza estava no forno.

Ou melhor, começaria ali o plano de sangramento homeopático do Governo, que deveria durar um ano, até a corrida eleitoral de 2006, mas como todos sabemos, o plano não deu certo. (Grifos em verde negritado são do ContrapntoPIG)

No fim daquela semana este editor voltaria para São Paulo conhecendo um pouco mais do tipo de jornalismo que se faz em Brasília, a partir de uma das maiores emissoras de TV do mundo, e dos tipos de jornalistas inescrupulosos que temos que encarar numa redação.

. Jornalista formado pela Metodista de SBC. Aluno convidado do curso de Comunicação de Massa e Sociedade Moderna da Universidade de La Crosse, Wisconsin, USA. Bolsista do 1º Curso de formação de Governantes da Fundação Escola de Governo. Há mais de 20 no ar. Foi editor do JN
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