domingo, 2 de outubro de 2011

Todos são iguais perante a lei, mas...


Por Rodolpho Motta Lima

O ambiente jurídico nacional está em polvorosa em função de uma ação de inconstitucionalidade impetrada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB), que pretende ver reduzidos os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para julgar magistrados envolvidos em falcatruas.

Siglas à parte, o que se deve destacar é que o CNJ foi criado em 2005 para suprir uma certa inércia ou omissão das diversas corregedorias no tocante ao exame, julgamento e consequente punição de juízes corruptos. O Conselho surgiu, assim, para pôr cobro a uma possível atitude corporativa que estaria passando por cima dos “malfeitos” das autoridades judiciais.

De sua criação até hoje, são cerca de 50 os juízes objeto de investigação pelo CNJ, alguns deles já condenados. Se são altamente discutíveis as “punições” – muitos são aposentados compulsoriamente – e se a quantidade pode parecer pouco expressiva em face do número total de magistrados brasileiros, a verdade é que o Conselho tem sido ativo na verificação das denúncias, o que, seguramente, deve estar incomodando a entidade de classe dos juízes. Por isso, o temor de quem preza a cidadania é de que, se vier a prevalecer a tese de que não cabe ao CNJ esse tipo de iniciativa, não apenas o órgão estará ameaçado de extinção (por desnecessário e decorativo), mas também se estará recuperando, para os membros do judiciário, uma certa blindagem que impeça o efetivo controle e a fiscalização que, em nome dos interesses da sociedade, o CNJ vem exercendo.

Um caloroso bate-boca entre a ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça, e o presidente do STF César Peluzo deu combustível à matéria. Enquanto a ministra referiu-se às resistências à fiscalização como sendo direcionadas para a impunidade de “bandidos escondidos atrás de togas”, Peluzo (também presidente do CNJ) exigiu retratação desses termos e apresentou, em nome do Conselho, nota de repúdio ao que ele considerou, pela generalização, palavras ofensivas à idoneidade e dignidade de “todos os magistrados de todo o Poder Judiciário”. A retratação não aconteceu e, pelo contrário, a corregedora resolveu promover o levantamento nominal dos corruptos, para mostrar que não falava levianamente, em abstrato. Agora, alguns dos conselheiros do CNJ que assinaram a tal nota voltaram atrás, alegando terem sido pressionados.

No que me diz respeito como cidadão, o que menos importa, no caso, é um provável mal-estar na magistratura em geral, que, aliás, deveria, estar, sim, agastada com os fraudadores que mancham a instituição e ávida por expurgá-los do ambiente jurídico. Afinal, e felizmente, eles não são a maioria e, no geral, juízes se notabilizam pelo comportamento íntegro, alguns até pagando com a vida a sua inteireza de princípios. Também não me sensibiliza o argumento que considera “excesso verbal” o palavreado da ministra Eliana. Trata-se, nesse caso, de desqualificar o mais importante a partir do detalhe. Conforme aponta a corregedora nacional, há corruptos no Poder Judiciário, como em outros segmentos sociais, e personagens como o famoso juiz “Lalau” acabam por surgir na ambiência nacional, dentro dessa “cultura” que persegue o país, quem sabe, desde seus primeiros dias.

Juízes, desembargadores, etc., são detentores de privilégios salariais e de outras naturezas justamente para não se contaminarem com a sedução da riqueza por caminhos tortos. Para mim, é sempre mais repugnante a corrupção ou fraude dos privilegiados na sociedade do que a que atinge os menos favorecidos. Nenhuma se justifica, mas a primeira é mais execrável por razões óbvias e, no caso de juízes, mais ainda, pois são os que recebem delegação social para promover a justiça e zelar pelo direito, pela correção. Infelizmente, porém, embora deles se espere o melhor dos comportamentos, juízes não são deuses, não são seres superiores só porque são juízes, mesmo que alguns, pela arrogância que demonstram, pareçam considerar-se acima dos demais. Alguns cometem deslizes sérios, têm que ser punidos, e nada mais adequado que um Conselho idôneo que promova essa punição. Com isso deve preocupar-se o Supremo – e o seu Presidente -, ao julgar a ação da AMB.

Todo esse episódio me faz refletir, aliás, sobre o próprio STF, sua composição e os princípios que o determinam. Como cidadão comum, percebo que há algo a discutir aí. A condição de órgão competente para exercer o controle da constitucionalidade coloca o STF em posição de influir politicamente na prática da democracia entre nós. É assunto que não dá para esgotar aqui, mas já era hora de passar a limpo as regras de composição da chamada “suprema corte”. A começar pela vitaliciedade dos seus membros, que não me parece nem um pouco saudável para o país. Para dar um único exemplo – que não pretende entrar no mérito do valor ou do saber jurídico do citado -, o Ministro Marco Aurélio Mello, quando chegar, em 2016, aos 70 anos de idade e for obrigado a se aposentar, terá completado 26 anos no STF. É claro que isso não é salutar, pois, independentemente da pessoa, esse é um cargo que deveria exigir renovação para atender à necessária oxigenação do pensamento. O STF precisa ser renovado, com a absorção de novas idéias, compatíveis com a dinâmica social.

Na forma de compor o STF, seguimos, nas origens, quanto à vitaliciedade, o “modelo” dos EUA, mas um estudo comparativo mostrará que há outras possibilidades, quem sabe mais efetivas. Muitos países europeus adotam a investidura por tempo determinado (por exemplo, 9 anos na França, Espanha e Portugal , 12 anos na Alemanha), mas sempre vedada a recondução ao fim do mandato. Os processos de escolha são os mais variados, alguns até excluindo o Poder Executivo do processo. O Japão apresenta algo que o distingue e que talvez pudesse ser aplicado aqui: é que a indicação dos ministros, embora feita pela esfera executiva, é submetida a referendo popular nas eleições imediatamente seguintes e também a ratificações em plebiscitos decenais. Um magistrado da suprema corte japonesa pode ser destituído se a maioria dos votantes assim o determinar.

O assunto implica várias abordagens, é certo, mas, em síntese, penso que uma boa fórmula democrática seria a que extinguisse a vitaliciedade e desse condições aos cidadãos de, de algum modo, participar da escolha dos seus juízes maiores.

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Do Blog TERRA BRASILIS.

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