quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A origem da lenda de que os comunistas comem criancinhas


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Fernando Morais escreveu também: A Ilha, Olga, Chatô, Corações Sujos, Montenegro, O Mago.

Fernando Morais esmiúça a sempre atual prática fascista de disseminar o medo na população num dos trechos do seu mais recente lançamento literário: Os últimos soldados da guerra fria. (Companhia das Letras, 2011).
Na verdade atualíssimo, o livro nos leva a compreender a absoluta falta de pudor dos grupos políticos da direita brasileira ao espalharem falsas notícias, entrincheirados em seus monopólios da comunicação, despejam mentiras sobre aborto, terrorismo, ameaças às liberdades religiosa e de expressão e  outras atrocidades que, segundo eles pregam, estariam nos planos dos governos populares que fazem o levante pacífico na América Latina. Rejeitados nas urnas armam a cada semana uma tentativa golpista e, em nome da liberdade de imprensa, se constituem numa ameaça à democracia.
 Panfletos reproduzem artigo por artigo de uma falsa lei que tomaria os filhos das famílias cubanas
 “Os cubanos ainda conviviam com os traumas provocados pela fuga em massa quando a Igreja católica juntou suas forças à oposição para promover mais uma debandada rumo ao exílio. No auge das primeiras confrontações entre Havana e Washington, a CIA e o arcebispo Coleman Carrol, titular da arquidiocese de Miami arquitetaram um espantoso plano de transferência massiva de crianças de Cuba para os Estados Unidos, para o qual contaram com o apoio indispensável da Igreja cubana. Batizada de Operação Peter Pan e inspiradora de livros e filmes, a ação teve início numa noite de outubro de 1960, com a patética proclamação de um locutor da rádio Swan, estação de ondas médias da CIA instalada na ilha Cisne, em território hondurenho, para transmitir programas dirigidos a Cuba. “Mães cubanas! O governo revolucionário está planejando roubar seus filhos!”, gritava o radialista. “Quando fizerem cinco anos, seus filhos serão retirados de suas famílias e só retornarão aos dezoito anos, transformados em monstros materialistas! Alerta, mães cubanas! Não deixem que o governo roube seus filhos!” O segundo passo foi dado na manhã seguinte quando centenas de milhares de panfletos foram espalhados pelo país com  o texto de uma falsa lei, redigida nos escritórios da CIA, que estaria para ser posta em vigor “a qualquer momento” pelo governo de Cuba. Repleto  de considerandos e de citações da legislação em vigor, o documento apócrifo era assinado por “Doutor Fidel Castro Ruz, primeiro-ministro” e pelo então presidente da República, Osvaldo Dorticós. A ameaça que iria aterrorizar pais e mães aparecia em três artigos e dois parágrafos:
 Artigo 3º - (...) A partir da vigência da presente lei, o pátrio poder das pessoas menores de vinte anos de idade será exercido pelo Estado.
Artigo 4º - (...) Os menores permanecerão sob os cuidados de seus pais até a idade de cinco anos, a partir da qual sua educação física, mental e cívica será confiada à Organização de Círculos Infantis, os quais serão responsáveis pela guarda e pelo pátrio poder dos referidos menores.
Artigo 5º - (...) Tendo em vista sua educação cultural e capacitação cívica, a partir dos dez anos de idade qualquer menor poderá ser trasladado para o lugar mais apropriado para a consecução de tais objetivos, sempre tendo em conta os mais altos interesses da nação.
Parágrafo 1º - A partir da publicação desta lei, fica proibida a saída do território nacional de todas as pessoas menores de idade.
Parágrafo 2º - O descumprimento dos preceitos compreendidos na presente lei será considerado delito contrarrevolucionário, sancionável com pena de prisão de dois a quinze anos, conforme a gravidade do delito.
Vigários de paróquias diziam que crianças seriam transformadas em alimento enlatado para o consumo da população russa
...Os desmentidos do governo revolucionário não tinham sido suficientes para diminuir a apreensão das famílias cubanas. Além disso, vigários de paróquias de todo o país, especialmente no interior, onde vivia a população mais simples e desinformada, se encarregaram de difundir a macabra versão de que as crianças separadas dos pais seriam removidas para Moscou e transformadas em alimento enlatado para o consumo da população russa. Não era a primeira vez que se utilizava para fins políticos história tão medonha e inverossímil. A anedota segundo a qual comunistas comiam pessoas nascera no fim da Segunda Guerra, quando a máquina de propaganda fascista  inundara a Itália de folhetos que afirmavam que soldados italianos que se entregassem ao Exército Vermelho seriam mortos, triturados e transformados em comida para saciar a fome que dizimava milhões na Rússia stalinista.”

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