sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Santayana: Supremo renunciou a defender a coisa pública

Publicado em 24/09/2010

Gilmar se exaltou na defesa do indefensável

O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana publicado hoje no Jornal do Brasil Online:

O Supremo e a cidadania

Por Mauro Santayana

Redigimos estas notas antes que terminasse a sessão do STF, mas, a menos que haja inesperada conversão de dois ministros, a impunidade protegerá os candidatos de ficha suja, que poderão disputar as eleições de 3 de outubro. Se assim ocorrer, prevalecerá uma interpretação respeitável da Constituição, mas que pode ser contestada pela aspiração moralizadora da cidadania, amparada nos princípios imemoriais sobre os quais se ergue a razão política. Guicciardini, o grande pensador florentino, considerava que, mais graves do que os crimes de lesa-majestade, eram os crimes de lesa-populi. Com todo o respeito pelos que votaram contra a vigência imediata da lei, eles fizeram prevalecer o direito dos que lesaram o povo. Lesaram-no, de modo geral, não somente ao usar do poder econômico, adquirido de forma criminosa, mas, também, ao ludibriar os eleitores, mediante a dissimulação e a mentira.

O STF cindiu-se em duas alas muito bem definidas, na interpretação do artigo 16 da Constituição e da alínea K da Lei de Ficha Limpa. Uma delas mostrou-se mais próxima das razões éticas em que deve assentar-se a organização do Estado. Para essa ala, o fundamento das leis terá que ser, e sempre, a ética e os mais altos valores humanos. Para a outra, o que determina os julgamentos e as regras morais é a lei, em sua letra, que cada juiz interpreta como recomenda sua consciência.

No fundo, trata-se do problema da legitimidade. Ainda que lei pressuponha legitimidade, o problema não é tão singelo como parece. A legitimidade se funda na vontade dos cidadãos que compõem a República, e essa vontade deve ser encaminhada à realização do bem comum. Os seres humanos, ainda que possam nascer puros, de acordo com Rousseau, ou inocentes, conforme proclamam algumas religiões, têm a liberdade de agir de uma ou de outra forma. Na antiguidade, aos espartanos era permitido caçar e eventualmente matar os zelotes, ou seja, os lavradores pobres, como treinamento militar, e aos chineses se permitia mentir.

Em nossa civilização, baseada no pensamento ateniense, as leis se explicam como a necessária coerção a fim de estabelecer a justiça, fundamento da coesão das sociedades políticas. Em um de seus discursos, Tancredo resumiu esse pensamento ao afirmar que a lei deve ser a organização social da liberdade. Organizar a liberdade é distribuí-la com equidade, e o sentido da justiça é exatamente este: o de distribuir o gozo do direito com equidade. Daí o axioma de que todos são iguais diante da lei.

A grande legisladora é a necessidade, como pensavam os sempre citados gregos, e alguns pensadores modernos confirmam. A grande necessidade do Brasil contemporâneo é a de que se extirpe, mediante a coerção das leis, a corrupção, o suborno, a fim de que os cidadãos passem a confiar no Estado e em suas instituições. O primeiro passo nesse sentido é o de fechar, pela intervenção da Justiça, ou pela ação política, o acesso ao poder dos que roubam do erário, e, ao fazê-lo, roubam dos que trabalham e pagam seus tributos. Não há crime maior de lesa-populi, para voltar a Guicciardini.

Ao postergar-se a aplicação da lei, caberá aos próprios cidadãos mobilizar-se, no exíguo tempo que nos separa do pleito a fim de erguer a barreira saneadora, e fechar o passo aos que não podem cuidar da coisa pública. E, de qualquer modo, a lei já serviu para inibir alguns dos candidatos, que temeram investir seu dinheiro na campanha, e perdê-lo, na hipótese de que a lei viesse a ter vigência imediata.

O Brasil, pouco a pouco, constrói a sua república.

Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)

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