segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Os puxa-sacos de Dilma

No último dia do Encontro dos Blogueiros, em São Paulo, como eu já contei, fomos tomar cerveja num barzinho próximo ao Sindicato dos Engenheiros. Um jornalista-blogueiro presente defendia a tese de que a blogosfera de esquerda, após a vitória de Dilma, deveria fazer oposição ao governo, sobretudo porque a presidente estaria refém do PMDB. Não aprovei muito aquela análise. A meu ver, Dilma sairá menos dependente do PMDB do que o Lula do segundo mandato, pois o PT deverá formar maioria no Congresso (nem sabia disso na hora) e ampliar sua base no Senado.

Continuará dependente do PMDB, mas em proporção menor. E também não gosto de criminalizar o PMDB, legenda que agrega muitos quadros bons.

O jornalista, então, meio à brinca meio à sério, disse que éramos um bando de puxa-sacos. Qualquer um que luta nas trincheiras da blogosfera na luta contra a mídia, já ouviu argumento parecido. A grande mídia ajudou a criar esse maniqueísmo radical. Se um sujeito sai na rua com um cartazinho contra Lula, vai para a primeira página de todos os jornais. É entrevistado pelo Jornal Nacional (nem importa que você seja um bandido) durante sete minutos. A mesma coisa vale para Dilma hoje. E pelo jeito continuará valendo.

É chato isso. Um leitor do Nassif sintetizou: quando poderemos criticar o governo Lula sem olhar pro lado e ver um blogueiro da Veja batendo palmas? Sim, porque as pessoas querem ter a liberdade de fazer críticas ao governo sem com isso estarem firmando parceria com a extrema-direita.

A radicalização da mídia contra o governo Lula meio que militarizou o debate, convertido numa guerra de imagens, de símbolos. Serra é o "mais preparado", o "bom gestor", afora todas as posições em negativo que tanto deliciam a mídia, como ser contra qualquer coisa que cheire a esquerdismo: Chávez, Morales, Irã, Cuba, Mercosul, Estado forte, valorização salarial de professor, etc. Apesar de carregar mais de vinte processos judiciais nas costas, uns três por improbidade administrativa, apesar de sua pasta ter sido alvo de vários escândalos (máfia das ambulâncias, demissão em massa de 5.400 mata-mosquistos), apesar de inúmeros fiascos de sua gestão em São Paulo (cai viaduto, buraco no metrô, não dragou a calha do tietê, truculência com professores e policiais), nada disso é explorado de maneira sistemática, maciça e coordenada, como fizeram com Lula e agora fazem com Dilma. A gente, na blogosfera, percebe o desequilíbrio e assume a defesa de Dilma. Eles são poucos jornais com tiragem imensa, nós formamos um exército liliputiano de pequenos soldados a combater gigantes.

Não é questão, portanto, de puxar o saco de ninguém. Participamos de uma batalha política de grandes proporções, e assumimos abertamente (à diferença dos jornalões) de que lado estamos. Mas às vezes isso cansa.

Quando a oposição apela para o moralismo, tudo fica mais difícil. Sabemos que há corrupção no governo, e desejamos, naturalmente, que esta seja combatida impiedosamente pelo Estado. Sabemos que a corrupção tem o poder de atingir a qualquer um. Em debate recente entre os presidenciáveis, Renata Lo Prete perguntou à Dilma se ela "botava a mão no fogo" por Erenice. Dilma elogiou sua ex-secretária mas evitou estender sua mão sobre as labaredas do prejulgamento.

Um governo, um partido, um leque de alianças, lida com centenas de milhares de funcionários, militantes ou simplesmente filiados, sendo virtualmente impossível checar o passado ou verificar o grau ético de cada um. O ser humano tem infinita capacidade de superar-se E degradar-se. Mais ainda, o ser humano é dotado de talentos e habilidades sem que haja nenhuma proporção automática com suas virtudes, de maneira que se pode encontrar um funcionário excepcionalmente qualificado de um lado, mas com terríveis defeitos de caráter, de outro. Aliás, todos temos algum defeito de caráter, e as pessoas talentosas, cultas, ou bonitas, não apresentam, em tese, nenhuma superioridade moral sobre ninguém.

Mais uma vez a imprensa incorpora o lacerdismo moral, em que eventuais delitos cometidos por pessoas servem como pretexto para lançar descrédito sobre todo um partido. Voltamos aos anos do mensalão, em que um jornalista achava um papelzinho na lixeira da presidência com as iniciais CD e no dia seguinte as manchetes alardeavam que acharam provas sobre o assassinato de Celso Daniel e daí listavam vinte e outros escândalos, juntando a morte do cãozinho rex ao dólar na cueca de um petista cearense, de forma a criar na mente do leitor uma indignação generalizada, confusa, irritada.

Seja como for, Lula conseguiu escapar, com auxílio do bom senso do povo brasileiro e talvez com um empurrãozinho da blogosfera progressista. E agora o alvo é Dilma. Daí que a missão continua. A classe média permanece vulnerável aos factóides midiáticos. A imprensa sabe a hora de investigar a fundo um problema e sabe a hora de parar as investigações. Em se tratando de Dilma, não deixará passar uma agulha no palheiro. Fuçam a vida dela e de seus auxiliares e ex-auxiliares com uma sanha investigativa de fazer inveja a qualquer Pullitzer, para o que damos os parabéns. Com isso, eles obrigam a candidata a aprimorar suas escolhas e a se tornar mais e mais exigente em termos de ética e comportamento. É uma ironia muito grande, porque a imprensa, ao perseguir apenas o PT e deixar o PSDB/DEM livres de uma abordagem mais crítica, converte o primeiro num partido disciplinado e cuidadoso, e o segundo numa legenda cada vez mais lassa eticamente, como se pôde constatar em Brasília, com Arruda, e com a escandalosa omissão do governo tucano em relação à limpeza da calha do Tietê, um erro trágico pelo qual a imprensa jamais fez a necessária cobrança de responsabilidade.

Daí que Dilma se converte praticamente numa rainha (e não no sentido de Rainha da Inglaterra, de poder apenas aparente, e sim no de símbolo do poder real acima dos lordes locais), cuja imagem devemos zelar e proteger. Pois ela, mesmo que sujeita a todo o tipo de erro, humana que é, não é mais apenas a pessoa Dilma, não é mais sequer a instituição presidência da República. Dilma agora é a peça mais importante do nosso lado do tabuleiro. É a peça que nós usaremos para derrotar a direita.

Portanto, caro jornalista-blogueiro, não é com fanatismo tolo e partidário que defendemos Dilma Rousseff, e sim com a astúcia e estratégia de jogadores de xadrez. O festival de escândalos produzidos diariamente pela imprensa não pode nos assustar e atravessaremos as duas semanas que faltam até a vitória com o dedo no nariz. Dilma é falha. Lula é falho. Mas o que interessa são os resultados, sobretudo sociais e econômicos, que estão aparecendo. A imprensa de oposição procura, de todas as formas, descolar o debate político dos fundamentos econômicos, porque estes últimos beneficiam Dilma; mas ao fazê-lo, ao esquecer a economia e centrar a cobertura política num festival de escândalos, ela pode enganar muita gente com sua ética ultrasseletiva, mas não a gente, que pertencemos a classe média liberta da Matrix midiática, e não a maioria do povo brasileiro, interessados (com muita justiça) antes em desenvolvimento econômico e emprego. Em vez de nos escandalizarmos, defendemos medidas práticas, concretas, óbvias, como aprimorar os institutos que combatem a corrupção, o nepotismo e a incompetência. Não é dando gritinhos que se combate falcatrua, e sim investindo pesado na Polícia Federal e dando espaço para que o Ministério Público possa trabalhar com independência e liberdade.

Não é razoável, a duas semanas da eleição, lavarmos a roupa suja de todos os problemas domésticos do governo, um monstro de proporções colossais e, por isso mesmo, repleto de mazelas e parasitas. O momento é de discussão política, é disso que estamos falando. Estamos de olho na política externa, numa determinada visão de Estado, num olhar diferenciado para os mais pobres, num tipo de nacionalismo e amor pelo Brasil que, definitivamente, não vemos na direita representada pelo PSDB e sua militância, caracterizados por uma postura esnobe, elitista e preconceituosa em relação ao Brasil. E não sou eu que está dizendo, são as urnas.

Quanto a Serra, passará a história apenas como um candidato que, segundo a opinião de um desavisado estrangeiro (livre da pressão pró-serra das redações paulistóides), tem prazer de ser trapaceiro.

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