quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O inferno dos denunciados

A primeira coisa em que deve pensar aquele que é denunciado com estardalhaço pela imprensa é na família, nos amigos, nos vizinhos, nos colegas de trabalho. O alvo da denúncia já imagina os olhares se desviando, as pessoas se afastando, dando desculpas para cancelar um compromisso consigo, não atendendo aos seus telefonemas.

Como o fenômeno ocorre exatamente no momento em que o indivíduo mais precisa de apoio, a sensação de desamparo, de que o mundo está desabando, é inevitável e crescente. A mente desanda a fantasiar sobre os desfechos mais terríveis para aquilo tudo.

Não importa, aqui, se o denunciado é inocente ou culpado, ou mesmo se há provas contra ele ou não. A denúncia que a mídia encampa e difunde não admite tergiversações ou meio termo. A condenação é sumária, mesmo sem provas.

Quem assistiu às multidões furiosas em casos como o do casal Nardoni, por exemplo, sabe que o suplício do acusado se torna um divertimento. E, diariamente, a mídia alimenta aquele desejo por sangue de setores da sociedade, sobretudo entre os desocupados ou aqueles degenerados que se comprazem com o sofrimento alheio.

O queda de Erenice Guerra do posto de ministra-chefe da Casa Civil era objeto do desejo de José Serra e dos meios de comunicação que o apóiam. E a razão disso não está só na primeira declaração do tucano sobre o pedido de demissão do ex-braço direito da principal adversária, mas nos comentários da “imprensa”. Todos são unânimes: na falta de provas, o pedido de demissão de Erenice comprovaria que o caso não é factóide político-eleitoral

Sem provas, o caso se transformará em nada depois das eleições. A mídia esqueceria tudo bem mais rápido se conseguisse eleger Serra, mas esquecerá de uma forma ou de outra. Depois, a inocência da denunciada será reproduzida em algum cantinho de pé de página dos jornais e os telejornais nem tocarão no assunto. Ou, se for útil, será tratada como “impunidade”.

Repito que a culpa ou a inocência do denunciado não têm importância. Só o que importa são as denúncias. E, em qualquer caso – de culpa ou inocência –, a prática de condenar in limine é uma aberração que nega ao acusado o direito a uma investigação ou até a um julgamento justos.

E é sempre bom lembrar que esses que apóiam esse tipo de aberração, nem sonham que um dia poderão ser mais uma de suas vítimas.

Provavelmente, Erenice fraquejou antes do governo. Até porque, sob denúncias e investigações não conseguiria trabalhar e prejudicaria a própria defesa. Mas o que vale é a versão de Serra, de que a queda da ministra comprova que as acusações contra ela eram verdadeiras e não produto de politicagem e desespero pré-eleitorais.

Erenice fez bem em se demitir. Petistas já começavam a rifá-la, a dar declarações de que ela errou ao escrever a nota acusando o autor de seu infortúnio. A estratégia petista de deixar a mídia espancar o partido até cansar, funciona à perfeição. O público vê o excesso e enxerga os acusados como vítimas, sendo ou não culpados. Em política é assim.

José Roberto Arruda, ex- governador de Brasília, ex-amigo do peito de Serra, ex-candidato a candidato a vice em sua chapa, hoje, se alguém perguntar ao tucano sobre o ex companheiro caído em desgraça, na melhor das hipóteses não receberá resposta. Arruda também aplaudiu quando a mídia fez com adversários o que depois fez consigo e agora faz com Erenice…

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Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)

Um comentário:

Humberto Carvalho Jr. disse...

"Fala a verdade quem mente primeiro". Não sei onde ouvi algo parecido, mas acho a frase bastante adequada para explicar o denuncismo oportunista da imprensa gorda, sobretudo em perídos eleitorais.

Ainda vamos amargar muito os efeitos da desregulamentação dos meios de comunicação e da profissão de jornalista. A imprensa continuará cometendo crimes absurdos diariamente, sem receber nenhum tipo de punição.

A "liberdade de imprensa" tem, para os profissionais da "velha imprensa", um conceito bastante diverso do imaginário popular. Essa tal "liberdade" é utilizada pela mídia como uma autorização, concedida pelo povo, para escolher o que deve ou não ganhar nototoriedade, ser publicizado, ainda que ignore a realidade. É o discurso que lhe confere poder. Por isso, toda tentativa de regulamentação dos meios de comunicação são logo tachadas de censura.

A Lei de Imprensa foi revogada, um verdadeiro presente do então presidente do STF, Gilmar Mendes, e nenhuma lei foi posta no lugar. Ou seja, a mídia ganhou um direito sem limites. Onde já se viu algo do tipo?

A desconcentração e regulamentação dos meios de comunicação são imprescindíveis para a consolidação da democracia no país.